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domingo, 17 de abril de 2011

Umbu ou anotações sobre um amor nem um pouco urbano.



Debaixo do umbuzeiro, onde Lampião e seu bando descansou, onde ele e Maria bonita fizeram Expedita, e onde nasceu ela, a filha única da resistência sertaneja.
Assombreados pela árvore sagrada do sertão, estavam os dois deitados. Que depois estariam separados por um imenso pedaço de terra vermelha e seca... Mas agora vou fingir não conhecer o fim dessa história.
Eles derramam leite sobre a terra, o gozo: leite da vida. E ali debaixo está a raíz do umbuzeiro, de onde se extrai o leite que retarda a morte seca, o líquido que mata, e que matou a sede de muito homem bom, desses que sabem os segredos dessa terra resistente.
Mas a única sede do casal era o amor, e a esperança que é artigo de luxo pra esse lado do Brasil. E além do leite, derramavam o sangue do fim da pureza da moça. O fluído vermelho penetrava com facilidade o solo sedento, que já havia bebido o sangue de Canudos: sangue de milico, povo e conselheiro. E agora sugava o da moça.
- Eu te amo mais que qualquer coisa desse mundo. - ele dizia baixinho.
- Eu também, muito.
E se beijavam sob a sombra gostosa do umbuzeiro. Mas logo eles chegariam.
- Homem nenhum nasceu pra ser pisado Rosa!
- Abre mão dessa luta. Nós podemos fugir dessa secura humana. Recomeçar... Hein?
Ele não era ingênuo, e sabia que nesse Brasil que falta pão não há espaço pros sonhos de amor.
- Eles estão a caminho Rosa! Vá embora, eu sei de minha morte, e lido com ela há muito tempo, só não lido com a hipótese de você a ver.
- Pois eu não vou! Eles que me matem também.
Graciliano iria insistir, iria xinga-lá se fosse preciso, pra que ela fosse embora. Mas não havia tempo, no sertão até o tempo é racionado, pois eles chegaram: Sem nada dizer, pois a economia afetava inclusive as palavras, atiraram pra matar. E no nada, no meio da vegetação cinza, debaixo da árvore verde só se ouvia o grito de Rosa. Mas quem? Quem, meu Deus, ouvia o grito? Ninguém.
Ela queria enterrar-se junto a ele; cravou a unhas no chão batido, mas era inutil, pois a terra não se deixaria mover.
E nesse sertão esquecido, embaixo do umbuzeiro, onde ninguém consegue se enterrar, nem enterrar a ninguém. Onde não cabe amor, nem poesia, morreu Graciliano.

2 comentários:

  1. “Falo somente por quem falo
    Por quem vive nesses climas
    Condicionados pelo sol
    Pelo gavião e outras rapinas”
    ( João Cabral de Melo Neto)


    Danielly Telles é a escritora dos amores corroídos pelo tédio e pelo tempo na cidade grande; das Vênus que entram no mar para morrer; dos velhos saxofonistas que passam a vida toda esperando a volta de uma moça que pintava quadros;de homens que remoem remorsos em cadeiras de balanço, até que um beijo-mulher acaba com mais uma vida inútil; de lembranças proustianas evocadas num bonde pela simples visão de um colar. Danielly usa com maestria esses temas, sempre com São Paulo como cenário.Mas com Umbu ela já avisa no título : são anotações sobre um amor nem um pouco urbano. E ela mesmo narra porque sua imaginação viu e assumiu, criando olhos que a terra nunca há de comer.O olhar da escritora pousa na terra seca do sertão nordestino onde um casal se ama sob a sombra única naquele lugar : um pé de umbu, que dá água nas raízes e frutos doces ao bicho homem. Frutos doces como os beijos , a cor e a entrega de Rosa a Graciliano.Os dois, cangaceiros, remanescentes do bando de Lampião.O nome do personagem é uma singela homenagem ao escritor Graciliano Ramos,vivente das Alagoas, comunista,preso político, que narrava com distanciamento rigoroso a miséria e o desamparo da população sertaneja, esquecida pelos governos. Mas Danielly não usa o estilo seco de Graciliano Ramos nem a escrita exuberante de Euclides da Cunha em “Os Sertões”, ao narrar a resistência popular comandada por Antonio Conselheiro. O umbuzeiro e a lembrança de Canudos remetem a Euclides, repórter do massacre dos mais pobres em Canudos, e que viu de perto o umbuzeiro, provou do umbu, viu a água que o sertanejo encontra nesta árvore,nos momentos mais difíceis. Danielly opta por uma teatralidade bem nordestina, faz da paixão dos seus dois personagens o eco de um épico dos pobres e desvalidos. Sem água, sem terra, sem comida,sempre injustiçados.
    A doçura do mel que as abelhas depositam no umbu lambuza os amantes marcados para morrer. A terra seca absorve o sangue da donzela, o suor do homem, que fala com carinho àquela mulher, que tem nome de flor, cor de canela e toda a beleza do sertão no rosto transfigurado pelo amor. E o homem possui esta flor, esta cor, esta cara. Mas eis que tudo muda de repente (no sertão até hoje é assim.) O tempo entre a decisão de Graciliano e o desespero de Rosa é uma primor de montagem cinematográfica acelerada pelo próprio drama do momento: olha a bala, vai embora Rosa, deixa essa guerra, Graciliano, não quero que você me veja morrer, atira no cabra pra matar, um tiro, dois, com quantos tiros se mata um homem valente ? , Graciliano morre como Lampião e Corisco, Rosa escapa (por quanto tempo?)cravando as unhas na terra seca para enterrar o seu homem, debaixo da sombra do umbu sagrado.Nem o último gesto de amor é possível nessas bandas , onde debaixo do umbuzeiro em vez do mel sangrou o sangue. O sangue do amor e o sangue do ódio. Paradoxalmente, Danielly ao sair da cidade grande para o grande sertão, ultrapassa a literatura e chega na montagem, na fotografia estourada, na câmera nervosa, nos personagens não-teatrais. Danielly faz cinema em “Umbu”. É “Deus e o Diabo Na terra do Sol”,de Gláuber Rocha, “Os Fuzis”, de Ruy Guerra,dois filmes brasileiros dos anos 60, que figuram entre os melhores do mundo. Agora, leiam e comparem : este conto de Danielly Teles, de uma página e meia,no máximo, bate de dez a zero as mais de 100 páginas do romance “Cangaceiros”, do regionalista José Lins do Rego, ainda preso à redundância das convenções literárias e a personagens convencionais. “Umbu” é um conto para ser consagrado como a árvore sagrada que lhe deu o nome.Já não é mais literatura somente. Também é uma das mais belas sequências do cinema brasileiro.

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