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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Até quando ela existirá?

"Mas Ana eu só posso me aposentar depois da cirurgia e até lá tenho que ficar renovando a "caixa"" Escuto assim que entro no vagão.
Tento não prestar muita atenção mas a senhora extremamente magra não fala baixo e nem deixa espaço na coversa pra a outra senhora falar.
Depois de alguns minutos ouvindo a conversa, ela me deixa a par da situação: tem cancer. Fico extremante desconfortável, tento não olhar na direção das duas, mas é como se ela tomasse conta de todo o vagão, não deixando espaço pra outros pensamentos, me sinto sulfocada pela vontade que ela tem de tornar pública sua dor, tudo bem, apenas eu, mais um moço e as duas mulheres.
Lembrei de quando eu acordei achando que tinha AIDS, nem sabia o que era isso, mas vi na tevê e fiquei encafifada que a tinha. Penso que sensação da senhora deve ser parecida, bobagem.
No meu esforço de tentar pensar em outra coisa eu piorava a situação. E o pior aconteceu: A senhora morena, a que ouvia a que falava de sua doença desceu. E ficamos eu, o moço estranho que lia um livro estranho e a senhora do cancer.
Pronto. Bastou pra situação ficar mais estranha. Ela mexe na bolsa e me olha, eu sei que me olha. Tira de dentro algumas 4 bulas de remédio e poe-se a lê-las, consigo perseguir o olhar dela, e fico imaginando os nomes complicados de compostos e sei lá mais o quê que ela lê nesse momento.
Por que esse babaca desse homem não tira os olhos do livro de auto ajuda e me deixa mais confortável dividindo o peso do ambiente comigo? Ela me olha mais uma vez, fingo não ter notado nem ela, nem a conversa, mas ela continua, eu sinto.
O maquinista anuncia a próxima estação, ela levanta se apoiando na barra de ferro e gemendo de dor. Tenho um arrepio. Olho pra ela. Ela me olha com o sorriso tímido, retribuo, ela o abre mais. A porta abre, entram muitas pessoas, oculpam os lugares e uma menina de franja, uns 8 anos senta no lugar dela. Juro que por alguns minutos penso ter entendido as artimanhas da vida. E penso "Até quando ela existirá?" Agora até que este escrito existir, pena ela não saber.

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