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domingo, 24 de junho de 2012

Feito um mosquito.

    Sinto algo andar pelo meu braço direito: sobe, desce, faz a curva, desfaz. Penso que pode ser coisa da minha cabeça ou má circulação e prossigo na leitura. A coisa persiste nos seus trajetos misteriosos, coloco a mão num movimento rápido, o seguro! Um prazer estranho faz percorrer um frio em minha espinha, sinto meus mamilos enrijecidos enquanto aperto a coisa com os dedos. Seguro por um tempo longo, até certificar-me de sua morte. Em seguida meto a mão por dentro da manga, o seguro com cuidado e nojo: o tenho no dedo e jogo no chão, ao meu lado. Volto à leitura, satistefeita, estranhamente satisfeita, asco e prazer me inundam.
    As pernas não param de tremer, e a leitua não flui de forma nenhuma. Tento controlar meus gestos e manter o autocontrole em minha perna e ela para, entrentanto, os olhos não conseguem obedecer: leia leia leia, presta atenção caralho! Nada, não funciona. Olho, com timidez, pro chão: ele não está mais lá. Foi levado, numa espécie de ato litúrgico ou pagão, pelo vento de junho. Penso que assim é o amor, feito um mosquito por debaixo da roupa.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

"Bandeiras se desmanchando"

    Preciso sair respirar, sinto que algo me espera, sinto arder a face e pulsar o coração mais forte. Meus dentes não conseguem ser coordenados na quietude, tremem com o maxilar... só pode ser a falta dos cigarros, pronto, é isso, preciso comprar mais cigarros. Iria na padaria se o caminho até ela bastasse pra esfriar o corpo, acalmar o coração e fazer os dentes de baixo pararem de se chocar com os de cima, ou... sei lá qual é culpado, é todo o corpo que está sedento.
    A padaria, não basta. Ando até a estação, meto-me no trem, "ufa, que sorte" falo, um homem me olha atentamente, sinto desconforto e desço na próxima. Me dou conta de não estar indo a lugar nenhum, então decido que o banco laranja é meu lugar nenhum: "estação do cacete! Que vento."- lembro de minha vó falando: "Onde o vento faz a curva". "Deve ser aqui" (sinto o corpo calmo, apesar da tremedeira maluca). Meto a mão no bolso do casaco, na procura de cigarros. "Puta merda! To na estação, não posso, lei filha da puta!", me conformo ao lembrar que nem se pudesse fumaria, não os tenho, nem um sequer, mas tenho fogo e brinco com a chama.
    Senta ao meu lado uma garota, e repete o gesto de procurar cigarros e pela cara que faz lembrou da lei com o mesmo ódio.
    - Você com fogo ai, eu com cigarro... e nem num frio desses podemos fumar sossegados. - ela abre um sorriso, contrastando dentes amarelados e batom vermelho.
    Penso se é comigo, e penso como o pensar é rápido, pois ainda pensando me dei conta que já a havia respondido. Sei lá o que falei, sei que sorri cordialmente, convidativamente: - Vai pra onde cara? "Sei lá", ela ri muito, passa a língua na boca enquanto olha pro céu escuro, escuro, escuro: - Tenho uma peça agora, quer ver? "Não tenho dinheiro, aliás só o do cigarro. É... nossa, pode crer, por isso saí, pra comprar um maço. Ela ri (penso: porra, ri de tudo): - Na estação você não vai achar! É...- concordo.
    - Vem comigo, entrada gratuita pra você.
    - Mas o que, vai pagar a minha e a tua?
    - Não, eu não pago, sou atriz meu, terceira apresentação hoje. Você curte Shakespeare?
    Penso no quão prepotente e horrível deve ser a peça (não sei se a respondi)
    - Fechado!
    "Mas o quê? eu topei?" penso já entrando no vagão com ela.
    - Posso fumar lá dentro?
    - Ah sim, se tiver mais que seis amigos na platéia é muito.
    "ENCANTADORA", não façam mau juízo da minha paixão. A peça era ruim, ruim à beça, mas ela... atriz, nunca saberei quando ela é um personagem, quando é ela de fato, isso se algum dia ela foi ela, ou será ela. Não a elogio, penso que todos são como eu e detestam elogios e não sabem onde os enfiar: "Vamos comprar cigarros, passei a peça com vontade e vergonha de pedir um ao cara do lado." Você ri e me chama de bobo. "Não sabe meu nome, mas nem eu o seu", entretanto acho demasiado idiota a pergunta, e me contento em a acompanhar pela rua muito vazia, me sinto cheio... mesmo sem cigarros os dentes pararam com a porra da abstinência e a temperatura de meu corpo já não me faz tremer de calor.
    - Marlboro, por favor. - você pede.
    - Maço ou box?
    - Maço, mais barato. - sorri ao senhor.
    - Obrigado, moça.
    Ascende o cigarro e me passa um, "mas eu ia comprar": - Que isso, dividimos. Dividir algo com você me agrada. - ela diz. Paramos num bar e pedimos uma cerveja, a mais barata. Tiro um livro da mochila, tenho um trecho pra ela, normalmente fazer isso seria inimaginável. Enquanto leio, ela permanece em profundo silêncio, penso que nem a respiração é audível; encosta a boca na borda, marcada pelo batom, do copo vazio. Vocês devem se perguntar: e ela ouvia com atenção? Creio que sim, não encheu o copo enquanto eu lia o texto. Terminei. Seu primeiro impulso foi colocar o resto da cerveja em nossos copos, com o cuidado da igualdade do conteúdo: "Gosto de dividir com você." - diz com cara de satisfação. E penso que todas as faces dessa atriz são tremendamente encantadoras, se não fosse tão imbecil diria embriagantes.
    Ficamos em silêncio, ela mais que eu, pois podia ouvir todos meus pensamentos a mil, enquanto que ela olhava fundo em meus olhos. Fiquei feliz, ela era a primeira pessoa que conhecia que não se incomodava com o silêncio e, mesmo após a leitura, não se viu obrigada a dizer algo, mesmo que fosse um: "adorei!" Nada. Pra mim este nada era a prova de sua atenção e do toque do texto. Pedimos outras três depois dessa e já começava a me preocupar com o valor da conta.
    - Adoro poetas ruins, uma vez li que eles vivem a poesia que não conseguem escrever. - diz distraidamente. O fato dela não dar créditos ao livro onde leu me excita.
    - Sabe, posso conhecer uma única música de uma banda, um único filme de um diretor; e ainda assim amar desvairadamente a banda e o diretor, sem me preocupar com as outras obras. - uma pausa, ela respira fundo e passa o dedo ao redor da boca: "pensa que ainda tem batom aí. - penso".
    - É a parte pelo todo. Acho uma tremenda bobagem as trajetórias e a indevida importância que dão à ela. Ninguém é sempre brilhante, mas todo brilham alguma vez, sei lá onde ou porquê, mas quando vejo algo brilhante de alguém logo me apaixono, não procuro saber de outras coisas, pra mim só existe essa paixão, as outras são balelas. Tipo, amar alguém pra sempre, convivendo, dormindo juntos, que isso, cara!?
    Normalmente acharia a fala dela sem sentido e até pedante, metida a moderna, mas sabe aquela coisa: "Eu ouviria as piores notícias de seus lindos lábios" (ou algo do tipo)? Era isso que sentia, me sentia inundado por aquela atriz. Seu nome? Ah, sim ia-me esquecendo: Lady MacBeth, Julieta, Desdemona, Viola e Ofélia. E eu, devotamente, assistiria e não elogiaria todas, todas.
    Acordo, não sei como, na cama. E me pergunto envergonhado: "paguei a conta?"

domingo, 17 de junho de 2012

Tragicamente.

    Ali na sala de projeção ele esquecia da mulher, reclamando de seu salário; e da filha, que arrumara um namorado estranho, algo melancólico. Era um mundo mágico, mesmo após 20 anos de mesmo serviço.
Ele ficava ali, apoiava a cabeça na mão, que por sua vez apoiava-se no cotovelo, que apoaiva-se num pedaço de concreto, e este pairava sobre a cabeça dos espectadores.
    Todos os dias a admirar belezas, a rir de feiuras e a observar todos os movimentos: dos casais, do homem que metia a mão na calça pra coçar virilha, o bocejar da moça num filme ruim, o "chiu!" da mãe pro filho hiperativo, disléxico e neurastênico, tudo tudo tudo. Era seu espetáculo, era a vida despercebida e particular que assistia enquanto seus objetos assistiam ao filme por ele rodado. 
     "Le mépris" e escuta o diretor ler os créditos, acha curioso, mas o fato de ser Godard o desanima quatro vezes mais, "tipo de filme que terminamos com perguntas que machucam demais.". Observa mais atentamente uma garota, chegou sozinha, sentou distante e apoiava os joelhos na poltrona da frente, "deve ter ido pra esse canto isolado só pra poder encostar os joelhos", desanima nosso projetor. Volta a atenção pras outras figuras da sala: homens fazendo pose de entendedores de Godard e donos de todas as respostas para as perguntas vomitadas na sua cara, "primeiro encontro", o homem classifica; a moça bem sucedida com doutorado francês, mas sem nenhum romancezinho pra pirar. É quando volta os olhos pra menina do canto e a vê chorando logo de cara, primeira cena, sente curiosidade, coisa rara, e olha pra tela: uma mulher está nua na cama, lê a legenda: Te amo totalmente, ternamente, tragicamente.

sábado, 16 de junho de 2012

A falta que ficou.

    Depois que fumávamos um o olho dela ficava ainda mais pequeno do que normalmente era, e o sorriso semiaberto mostrando só parte dos dentes não lhe saía do rosto. Deitávamos na sombra da única árvore ali, ela encostava a boca em meu ouvido e começava: Hoje não dá... Hoje não dá... Está um dia tão bonito lá fora e eu quero brincar. Eu ria e não conhecia a música. Pergunto: É teu, pequena?
    - Não... - ela responde coçando a ponta do nariz, onde haviam três pintas, com o dorso da mão. Como posso a odiar tanto hoje? Vocês não entendem, era pura liberdade e poesia, tão leve, tão sorriso, tão olhares e tão toque... Agora terminamos .
    Outro dia bebemos umas cervejas no boteco da rua de baixo. As bochechas dela sempre ficavam muito vermelhas, os olhos brilhavam e voltamos cambaleando um pouco: ela sem se preocupar com o movimento do vestido, e este, por sua vez, sambava livre em seu corpo modesto e branco. Após dois ou três copos ela sempre tinha muito amor a oferecer. Como posso a odiar tanto hoje?
    Um dia daqueles de pouco sol e muito menos amor a senti distante. Entro na sala e a vejo sentada segurando lápis e caderno. Era uma palestra sobre índios (que morram todos!) e eu entro fazendo um imenso barulho e atraio muitos olhares, não me importo estava por demais embriagado. No entanto um olhar me importa: o dela. Era de mais pura reprovação... de pronto me envergonhei mas em seguida a odiei, e acredito as sensações eram recíprocas.
    Nos separamos sem dramas. Afinal éramos adultos e repetíamos, mais pro seu do que para o meu orgulho: Não tínhamos nada... Nada. Entretanto, a despeito do nada, eu sorria mais, deixei a barba crescer por seus caprichos, falei a meus amigos sobre a incrível mulher que era minha companheira, até li Foucault... Você também, tornou-se mais solar, mais leve, e obteve a maior prova de sua liberdade. 
    Acho que aí esta a resposta do meu atual ódio: a liberdade que emanava do seu gestual e do seu cheiros sem perfumes, ela tentava entrar pelo meu nariz e tomar tudo para si, insinuava-se feito você no samba um dia. Não sei lidar com a liberdade. Agora cantarolo: "Só nos sobrou do amor, a falta que ficou." E a falta é ódio. 

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Chore, minha criança.

   Encosto no teu peito magro e você segura minha cabeça com a palma da mão fazendo confudirem-se seus dedos e meu cabelo laranja.
   - Queria te levar na cidade onde nasci.
   - Adoraria, você sabe. Podemos ir nas férias de fim de ano e fazer um filho lá. -você responde sem perceber meus olhos muito úmidos.
   Sabe, me apaixonei por ele por conta de sua risada. Parece piada, mas não é, juro, ela foi a mais encantadora que já ouvi, era inocente e incontida. Começo.
   Estava no sítio dos meus avós, morávamos lá eu, pai e minha mãe. Mas a lembrança está na cozinha dele, era enorme, um tanto pobre e vazia, mas enorme. Estava sentada, com as pernas abertas só de fralda. Olhava com o rosto todo amerelo, das mangas que chupava sem parar, para minha avó, que retribuia o olhar com um sorriso que até hoje não sei o significado. Mas mesmo sem saber a real intenção eu abria um sorriso de farpas nos dentes pra ela, que sorria e balançava a cabeça negativamente, coisas de premonição de avós, não sei.
   Era um sorriso igual ao que ela soltava quando segurava a tampa da panela para que os caranguejos não fugissem. Poxa, os caranguejos, lembro. Sentia uma enorme alegria quando meu pai voltava a noite com caranguejos, minha mãe também, mas a felicidade dela era pelo simples fato dele voltar pra casa, ele tinha fama de mulherengo - riu. Mas enfim, adorava os bichinhos cozidos por minha vó. Lembro do exato barulho que emitia ao chupar as patas dele, era infinitamente delicioso!
   - Podíamos fazer um dia, que acha? -você interrompe.
   Não te respondo. Você não percebe nem as lágrimas, nem a vermelhidão de meu rosto, e acha que estou esperando mais palavras e solta um som, como se fosse começar nova frase, mas ficamos em silêncio.
   Lembro mais uma vez de sua risada e da paixão que ela me desperta quase todos os dias; de sua sensibilidade e tato com todas as minhas confusões. Lembro do dia que me conquistou:
   - É todo e puro encanto essa tua confusão.
   Sabe, procurei por isso desde o dia que decidi procurar por algo... alguém que sorrisse pra mim verdadeiramente e que não tentasse pôr ordem em meus pensamentos. E você é esse algo, pois muito pelo contrário, você os rega e os vela como um jardineiro.
   Continuo: As vezes acho que não tenho identidade. Saí de lá muito cedo, e logo fui engolida por esse lugar, essa cidade desvairada, que comeu minhas origens, usurpou e riu de meu sotaque quando criança. Me perguntei várias vezes porquê não resisti. Mas penso: era só uma criança.
   Estou fora do alcance de seus olhos, a única coisa que vê é a ponta do meu nariz, e, mesmo assim, você me aperta forte e leva os dedos aos meus olhos, como que sabendo do meu choro. Enxuga, como pode, as lágrimas, chupa seus dedos molhados e diz, com a vóz doce e pausada: Chore minha criança.