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sábado, 16 de junho de 2012

A falta que ficou.

    Depois que fumávamos um o olho dela ficava ainda mais pequeno do que normalmente era, e o sorriso semiaberto mostrando só parte dos dentes não lhe saía do rosto. Deitávamos na sombra da única árvore ali, ela encostava a boca em meu ouvido e começava: Hoje não dá... Hoje não dá... Está um dia tão bonito lá fora e eu quero brincar. Eu ria e não conhecia a música. Pergunto: É teu, pequena?
    - Não... - ela responde coçando a ponta do nariz, onde haviam três pintas, com o dorso da mão. Como posso a odiar tanto hoje? Vocês não entendem, era pura liberdade e poesia, tão leve, tão sorriso, tão olhares e tão toque... Agora terminamos .
    Outro dia bebemos umas cervejas no boteco da rua de baixo. As bochechas dela sempre ficavam muito vermelhas, os olhos brilhavam e voltamos cambaleando um pouco: ela sem se preocupar com o movimento do vestido, e este, por sua vez, sambava livre em seu corpo modesto e branco. Após dois ou três copos ela sempre tinha muito amor a oferecer. Como posso a odiar tanto hoje?
    Um dia daqueles de pouco sol e muito menos amor a senti distante. Entro na sala e a vejo sentada segurando lápis e caderno. Era uma palestra sobre índios (que morram todos!) e eu entro fazendo um imenso barulho e atraio muitos olhares, não me importo estava por demais embriagado. No entanto um olhar me importa: o dela. Era de mais pura reprovação... de pronto me envergonhei mas em seguida a odiei, e acredito as sensações eram recíprocas.
    Nos separamos sem dramas. Afinal éramos adultos e repetíamos, mais pro seu do que para o meu orgulho: Não tínhamos nada... Nada. Entretanto, a despeito do nada, eu sorria mais, deixei a barba crescer por seus caprichos, falei a meus amigos sobre a incrível mulher que era minha companheira, até li Foucault... Você também, tornou-se mais solar, mais leve, e obteve a maior prova de sua liberdade. 
    Acho que aí esta a resposta do meu atual ódio: a liberdade que emanava do seu gestual e do seu cheiros sem perfumes, ela tentava entrar pelo meu nariz e tomar tudo para si, insinuava-se feito você no samba um dia. Não sei lidar com a liberdade. Agora cantarolo: "Só nos sobrou do amor, a falta que ficou." E a falta é ódio. 

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