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sexta-feira, 29 de março de 2013

Mão dupla/ Coração Selvagem.

"Um sorriso, e basta, fico nervoso acendo um cigarro: sim, um simples cruzar de olhares em meio à rua e os dentes dela se mostrando, entre lábios muito vermelhos bastam. A primeira vez que a vi, foi na fila do ônibus, ela passou com textos nas mãos, lendo tudo com ar atarefado e eu, logo acendi meu cigarro. Uns amigos chegam, e ela com um jeito sempre muito carinhoso, abraça à todos.
Agora, tudo isso é surreal, aqui está ela, deitada nua. Aqui eu estou, entre suas coxas brancas pintadas."

"Nos cruzamos sempre, temos amigos em comum, mas só trocamos sorrisos. O jeito, muito sem- jeito dele, me encanta toda vez que por acaso nos encontramos nas ruas dessa cidade. Os olhos de um azul não- banal, profundo pra caralho, melancólico, vivo e com pressa de viver me arrebata o peito frio. Os cabelos sempre muito bagunçados de Kurt: sempre quis tocá- los. Aqui eu estou, entre seus cabelos loiros e grandes."

Numa esquina num lugar comum, o coração selvagem encosta nas costas dela de uma maneira forte e quente: "Não vá embora, vou cantar Baby pra você ficar." Ela não fica, entretanto, seus olhos enchem de lágrimas, queimando e virando sal no rosto quente de tanto beber, ao ouvir a canção que tanto gosta.
Numa outra esquina, incrivelmente próxima, os lábios dele pedem o batom vermelho da boca dela, os corpos se comunicam como nunca, os dedos dele calejados pelo violão, passam fazendo algo como música quando ela está com roupa, e algo como um carinho nato e bruto, quando nua. A cabeça no peito selvagem dele, escuta o bater muito rápido do coração. "De fato, um coração selvagem" - ela brinca.
A história é tão inocente e quente, tão latino americana, tão Rock N Roll, tão samba calmo que cabe num abraço desajeitado e no olhar marejado de expectativas boas, sem enormes cobranças. Um sentimento que divide pra se multiplicar: "Olha, tenho duas blusas muito especiais, uma do meu pai e outra que meu avô achou na rua... As duas tem um buraco pra por o polegar, uma porque descosturou, outra queimei com cigarro."
Depois do sexo simples e que a emocionou de um jeito muito diferente, ela pede: "Ei, me dá sua blusa queimada com cigarro?" Ele com admiração sorri com seus dentes de 5 anos de cigarro, de peito selvagem: "Claro!". Os dois dormem, de pernas entrelaçadas, com cabelos suados, com dedos que cheiram aos muitos cigarros fumados no quintal de ceu aberto, ceu testemunha da dança, dos desejos, das angustias daqueles dois corações.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Alívio imediato.

Da sala de aula vejo uma festa ser preparada. A provável mãe, de lenço verde- escuro nos cabelos, creio que grisalhos, varre sorrindo o terreno. Três meninos de uns 16 anos carregam mesas e cadeiras de plástico branco. Dois meninos, primos ou irmãos, empinam pipas sob o sol, com olhos apertados buscando ver no alto- céu a pipa colorida, ou não, pois daqui, o corte do concreto da janela não me permite vê- las.
Um muro de tijolo vermelho não me deixa ver o que tem sobre a mesa, minutos antes levada, mas sinto a boca aguar em pensar na maionese e no arroz de forno. Fios cortam a paisagem. Fios que repelem e aproximam. São eles fios de telefone e de internet, encurtando distâncias através do imaginário. Mas são também fio de eletricidade que alimentam a TV, que faz o pai não ter muitos olhos pro filho. Energia que faz pais e filhos seguirem cada qual para seu isolamento.
Aprendemos nessa aula a vida que fora vivida. E para isso, deixamos, penso eu, de viver a vida. Vejo um casal, numa janela aberta naquele muro vermelho, que se beijam e se amassam sem pensar na vida teórica que se ensina e acontece dentro do prédio feio- cinza. Enquando eu aqui, de dentro dele, imagino a vida vivida sem teoria desses dois e dos muitos da festa.
Nos preparativos da festa um homem sem camisa e portando um colar grosso, o suficiente pra ser visto daqui, abre uma lata de cerveja. Não posso ouvir dessa distância o barulho do lacre rompido, nem o gelado refrescando sua língua- garganta. Mas teorizo sobre o som, a sensação e a necessidade do lacre ser rompido, causando alívio imediato.

quinta-feira, 7 de março de 2013

A Tempestade.

A garoa começa.

- A gente pode subir, tenho um cigarro de palha.
- Opa, vamos a chuva vai apertar, e um cigarrinho sempre vai bem.
- Sim - ela responde calçando o chinelo, pondo-se de pé sorrindo.

Balanço das mortes, América latina em luto, companheiro! Um cantor, um revolucionário.
- Os dois fazem parte de coisas tão boas na minha vida...
- De uma geração - ele num tom encantador de quem cresce mas não deixa de sonhar.

Ela canta:
"Eu quero estar amanhã do seu lado quando você acordar, eu quero um sonho realizado, uma criança com seu olhar."
- Olha só, olhos de criança, que música mais você. - ela.
- É, só falta você aceitar dormir comigo hoje e acordar amanhã ao meu lado.

Ela ri: - Sério?
- Muito.
- Bom, preciso pegar dinheiro e deixar umas coisas em casa, você me espera?

As esperas, os encontros, os dedos sedentos que se procuram, os corpos que são, cada vez mais chamados ao contato, ao encontro, à junção.
Ela chega, ele vem:
- Vamos?
- Claro.

- Posso lavar o rosto?
Ela volta com a pele fresca. Ele com três copos de água. Os corpos quentes na noite quente não tem pressa infantil:
- Meu, tenho um livro com fotografias do Fidel.
- Me mostra, olhos de criança!

Ficam um tempo que ninguém saberia precisar quanto, afinal o tempo dos relógios de parede, braço e bolso não são familiarizados com o furacão dos corpos, com a vida que não vale dinheiro ou endimentos. O tempo naquele quarto era tão importante quanto a poeira dos cantos que ninguém nunca limpa. O desejo, o compartilhar de cama, suor, sonhos, angústias, saliva, toques e olhares não são temporais, são cósmicos e ultra humanos.

Ele começa a brincar com os joelhos dela, ela com as costas dele, desenhando com suas unhas curtas, sem cor, sem forma especifica desenhos infantis. "Unhas descuidadas" diz sempre sua mãe, que porta unhas exuberantes.

Aos poucos os corpos se pedem e gritam um pelo outro. Ela mordendo a cintura branca e branda dele, ele se contorcendo devagarzinho, ela sorrindo vai subindo o encara e sugere uma homenagem a quem cantava os olhos de criança, os amores de criança, as loucuras de criança. A vida vivida intensamente, os valores certos mesmo que imorais:
 - "O dom é ver o que se faz, mas ela gosta de transar no escuro. No escuro a coisa ferve mais." Conhece essa dele?
- Não, mas a homenagem é mais que bonita! Vamos no escuro.

Ela num esforço de apertar o interruptor, encosta o seio no rosto dele que os morde. Ela brinca:
- Daria uma bela foto.
- É daria.
Luz apagada. Luz elétrica. Mas A tempestade, faz com que luzes entrem pela janela. "No escuro a coisa ferve mais". O gozo dentro dela, todas as pulsações sentidas, uma a uma. Sede, que é por eles matada na saliva e três copos d'agua. Ele deita, ela deita, corpos nus suados, lado a lado na cama iluminada pelos raios de uma Tempestade bem vivida.

-Um cigarro?
- Sempre.

Dormem: ela com o corpo agitado, ele acariciando sua bunda: "Eu gosto de bunda, aliás gosto de tudo numa mulher".

"Eu quero estar amanhã ao seu lado quando você acordar"
O pai liga: "Olha entra a noite na internet, estamos com saudades e queremos te ver."
11 hrs:

- Era meu pai - ela diz sorrindo - Poxa tá tarde, vamos né?
Ele levanta, vai à sala e começa no vinil: Vida louca vida.
Terminamos, atrasados e fumando com: "Você nem arrumou a cama, parece que fugiu de casa!"
Pode ser inventado, pode ser traquilo, pode ser um teste de sexo com ar de professor e até fruta mordida esse encontrar de corpos que a Tempestade presenciou.