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segunda-feira, 18 de junho de 2012

"Bandeiras se desmanchando"

    Preciso sair respirar, sinto que algo me espera, sinto arder a face e pulsar o coração mais forte. Meus dentes não conseguem ser coordenados na quietude, tremem com o maxilar... só pode ser a falta dos cigarros, pronto, é isso, preciso comprar mais cigarros. Iria na padaria se o caminho até ela bastasse pra esfriar o corpo, acalmar o coração e fazer os dentes de baixo pararem de se chocar com os de cima, ou... sei lá qual é culpado, é todo o corpo que está sedento.
    A padaria, não basta. Ando até a estação, meto-me no trem, "ufa, que sorte" falo, um homem me olha atentamente, sinto desconforto e desço na próxima. Me dou conta de não estar indo a lugar nenhum, então decido que o banco laranja é meu lugar nenhum: "estação do cacete! Que vento."- lembro de minha vó falando: "Onde o vento faz a curva". "Deve ser aqui" (sinto o corpo calmo, apesar da tremedeira maluca). Meto a mão no bolso do casaco, na procura de cigarros. "Puta merda! To na estação, não posso, lei filha da puta!", me conformo ao lembrar que nem se pudesse fumaria, não os tenho, nem um sequer, mas tenho fogo e brinco com a chama.
    Senta ao meu lado uma garota, e repete o gesto de procurar cigarros e pela cara que faz lembrou da lei com o mesmo ódio.
    - Você com fogo ai, eu com cigarro... e nem num frio desses podemos fumar sossegados. - ela abre um sorriso, contrastando dentes amarelados e batom vermelho.
    Penso se é comigo, e penso como o pensar é rápido, pois ainda pensando me dei conta que já a havia respondido. Sei lá o que falei, sei que sorri cordialmente, convidativamente: - Vai pra onde cara? "Sei lá", ela ri muito, passa a língua na boca enquanto olha pro céu escuro, escuro, escuro: - Tenho uma peça agora, quer ver? "Não tenho dinheiro, aliás só o do cigarro. É... nossa, pode crer, por isso saí, pra comprar um maço. Ela ri (penso: porra, ri de tudo): - Na estação você não vai achar! É...- concordo.
    - Vem comigo, entrada gratuita pra você.
    - Mas o que, vai pagar a minha e a tua?
    - Não, eu não pago, sou atriz meu, terceira apresentação hoje. Você curte Shakespeare?
    Penso no quão prepotente e horrível deve ser a peça (não sei se a respondi)
    - Fechado!
    "Mas o quê? eu topei?" penso já entrando no vagão com ela.
    - Posso fumar lá dentro?
    - Ah sim, se tiver mais que seis amigos na platéia é muito.
    "ENCANTADORA", não façam mau juízo da minha paixão. A peça era ruim, ruim à beça, mas ela... atriz, nunca saberei quando ela é um personagem, quando é ela de fato, isso se algum dia ela foi ela, ou será ela. Não a elogio, penso que todos são como eu e detestam elogios e não sabem onde os enfiar: "Vamos comprar cigarros, passei a peça com vontade e vergonha de pedir um ao cara do lado." Você ri e me chama de bobo. "Não sabe meu nome, mas nem eu o seu", entretanto acho demasiado idiota a pergunta, e me contento em a acompanhar pela rua muito vazia, me sinto cheio... mesmo sem cigarros os dentes pararam com a porra da abstinência e a temperatura de meu corpo já não me faz tremer de calor.
    - Marlboro, por favor. - você pede.
    - Maço ou box?
    - Maço, mais barato. - sorri ao senhor.
    - Obrigado, moça.
    Ascende o cigarro e me passa um, "mas eu ia comprar": - Que isso, dividimos. Dividir algo com você me agrada. - ela diz. Paramos num bar e pedimos uma cerveja, a mais barata. Tiro um livro da mochila, tenho um trecho pra ela, normalmente fazer isso seria inimaginável. Enquanto leio, ela permanece em profundo silêncio, penso que nem a respiração é audível; encosta a boca na borda, marcada pelo batom, do copo vazio. Vocês devem se perguntar: e ela ouvia com atenção? Creio que sim, não encheu o copo enquanto eu lia o texto. Terminei. Seu primeiro impulso foi colocar o resto da cerveja em nossos copos, com o cuidado da igualdade do conteúdo: "Gosto de dividir com você." - diz com cara de satisfação. E penso que todas as faces dessa atriz são tremendamente encantadoras, se não fosse tão imbecil diria embriagantes.
    Ficamos em silêncio, ela mais que eu, pois podia ouvir todos meus pensamentos a mil, enquanto que ela olhava fundo em meus olhos. Fiquei feliz, ela era a primeira pessoa que conhecia que não se incomodava com o silêncio e, mesmo após a leitura, não se viu obrigada a dizer algo, mesmo que fosse um: "adorei!" Nada. Pra mim este nada era a prova de sua atenção e do toque do texto. Pedimos outras três depois dessa e já começava a me preocupar com o valor da conta.
    - Adoro poetas ruins, uma vez li que eles vivem a poesia que não conseguem escrever. - diz distraidamente. O fato dela não dar créditos ao livro onde leu me excita.
    - Sabe, posso conhecer uma única música de uma banda, um único filme de um diretor; e ainda assim amar desvairadamente a banda e o diretor, sem me preocupar com as outras obras. - uma pausa, ela respira fundo e passa o dedo ao redor da boca: "pensa que ainda tem batom aí. - penso".
    - É a parte pelo todo. Acho uma tremenda bobagem as trajetórias e a indevida importância que dão à ela. Ninguém é sempre brilhante, mas todo brilham alguma vez, sei lá onde ou porquê, mas quando vejo algo brilhante de alguém logo me apaixono, não procuro saber de outras coisas, pra mim só existe essa paixão, as outras são balelas. Tipo, amar alguém pra sempre, convivendo, dormindo juntos, que isso, cara!?
    Normalmente acharia a fala dela sem sentido e até pedante, metida a moderna, mas sabe aquela coisa: "Eu ouviria as piores notícias de seus lindos lábios" (ou algo do tipo)? Era isso que sentia, me sentia inundado por aquela atriz. Seu nome? Ah, sim ia-me esquecendo: Lady MacBeth, Julieta, Desdemona, Viola e Ofélia. E eu, devotamente, assistiria e não elogiaria todas, todas.
    Acordo, não sei como, na cama. E me pergunto envergonhado: "paguei a conta?"

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