Ponha seu cabelo pra cima, diga boa noite.
Havia chegado de Barcelona há pouco. Achei tudo entediante, mais que aqui, e qualquer lugar que já fui. Talvez a cidade nem fosse tão ruim, talvez as prostitutas nem fossem tão desdentadas, talvez eu é que era uma merda, que via merda em tudo.
Queria companhia para um café, queira falar mal da viagem para meus amigos, mas ninguém aceitou o convite. Realmente eu devia ser insuportável. Mas tudo bem, eles também são uns toscos, que acham que a felicidade está em qualquer coisa, e bebem feito idiotas, para fingirem estar bem. Mas depois, no outro dia, voltam a sua vidinha medíocre acrescida de dores de cabeça.
Vou a cafeteria sózinho. Pra variar estava chovendo, uma garoa chatissima que me deixava ainda mais nublado. Que inferno! Entrei, a cafeteria era até agradável. Pedi um café:
- Um expresso, por favor.
Demorou um pouco, mas veio. Quando coloquei-o perto do nariz pra sentir seu cheiro confortável, entrou pela porta principal, apressadamente e muito desengonçada, uma mulher. Ela tenta fechar o guarda-chuva ( que está com os arames ou tortos ou quebrados), passa a mão na testa, conferindo o suor. Tinha o cabelo preso bem no alto da cabeça, a boca engraçada por um batom bem vermelho, e ainda que vermelho, não era vulgar, dava-lhe um ar de vida, de menina que roubou o batom da mãe pra ver ser os meninos davam-lhe atenção, e usava uma blusa que havia estampado um elefante. Por um certo tempo achei-a interessante, mas logo o cinza voltou a me cobrir, ela deveria ser como minhas amigas: linda e burra.
A cafeteria estava cheia, e único lugar disponível era o ao meu lado. Ela sentou-se, me olhou, eu percebi e retribuí o olhar, mas ela fingiu nem ter olhado. Pegou o guardanapo, e tirou uma caneta da bolsa roxa, começou a escrever escondendo com as mãos, feito criança de primário. De repente, ela tirou as mãos e, com os dedos, empurrou o bilhete em minha direção. Olhei pra ela, e ela não me olhava. Antes de ler, senti a textura do papel ( babaquice, era só um guardanapo; o que teria de especial?). Devo ter ter ficado cerca de um minuto com o papelzinho entre os dedos. Focalizei na letra, era horrivel. Li:
" Sei exatamente o que você sente, sinto o mesmo. Sinto-me acorrentada, como se cada pedaço dessa cidade fosse uma algema, mas sei que não adianta sair aqui, pois as correntes me perseguirão em qualquer lugar. Na verdade não é a cidade e nem as pessoas que te acorrentam e sim você. "
Ao meu Capricorniano.
Por que capricorniano? Esta nem era meu signo. E como ela sabia exatamente o que sentia? Essas perguntas só vieram depois que ela foi embora, pois depois de ler aquele bilhete me senti paralisado e enfeitiçado. Olhei-a, resolvi falar:
- O que você quer? O que você sabe sobre minha vida?
- Muito mais do que você pensa. Mas na verdade o que sei não interessa, o que importa é o que você não enxerga.
Saiu sem nada dizer. Quem era aquela mulher? Dois dias depois desse encontro, recebo uma encomenda: um elefante, de remetente inexistente. Foi ela, tenho certeza. Olho pra ele todos os dias, é até bonito, e sempre que o olho tenho vontade de sair pra beber e fingir que sou feliz, afinal não é assim que todos fazem? Não quero mais fugir a regra.
O quadro é de Dalí, chama-se " Tentação de santo Antônio". Pensei nele enquanto fazia o conto.
ResponderExcluirLegal Dani!
ResponderExcluirAh, o layout tá dahora agora, hein! :)
Valeu Sofi, é gostei desse também.
ResponderExcluirBeeem melhor o layout Babyzinhaa!
ResponderExcluirTá evoluindo :)
Te amo!
Brigada Sii. Também amo você.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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ResponderExcluir"...eles também são uns toscos, que acham que a felicidade está em qualquer coisa, e bebem feito idiotas, para fingirem estar bem. Mas depois, no outro dia, voltam a sua vidinha medíocre acrescida de dores de cabeça. [...] ...tenho vontade de sair pra beber e fingir que sou feliz, afinal não é assim que todos fazem? Não quero mais fugir a regra."
ResponderExcluir:)