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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Estrela.

   Ela acordou cedo, pois tinha um encontro. Mas por que um encontro? Estava velha, passava uma tristeza gélida pelo olhar. Seus olhos carregam o peso de seu mundo (seu passado). E agora, neste estado de linhas confusas espalhadas pela face tinha um encontro.
   Sentia-se fria e com aquela sensação infantil de borboletas na barriga... Ah e a barriga? Estava flácida, caída. Há quanto tempo não a olhava? Há muito não encarava o espelho, não via no vidro dos prédios da cidade seu brilho, pois ele havia se perdido nos muitos lençóis de motel que deitou.
   Quantos homens haviam passado por sua vida... e nenhum ficou. Mas isso já não importa, o que importa é que ela tinha um encontro. Levantou-se, colocou os chinelos com detalhes de flor; nunca ganhou flores - pensou. Foi ao banheiro, e olhou-se no espelho: a sua boca estava menor, meio murcha - concluiu. Olhou seus dentes, estavam amarelos. Veio em sua memória a sua imagem antiga: fora bonita e fresca. Lembrou-se dos homens e dos casamentos destruídos. Começou a pensar nas mulheres traídas. Onde estariam? Provavelmente esquentando seus enrugados pés em outros igualmente ou ainda mais enrugados, e a tarde receberiam os netos em casa para comer um bolo de chocolate. Nem chocolate ela podia comer, tinha diabetes - lembrou. A única coisa que lhe restara foram seus pés frios e enrugados.
   Jogou água no rosto, tentando afastar as lembraças. Deveria animar-se, pois tinha um encontro. Tirou o pijama e se deparou com seios murchos, e lembrou-se dos seios enormes que tivera um dia, aqueles seios que faziam qualquer homem largar tudo para tocá-los e beijá-los, agora estavam feito uvas passas velhas e pesadas.
   Escolheu a roupa, uma roupa de respeito adequada a uma senhora de respeito. Mas quem ela queria enganar? Ou será que ela foi enganada o tempo todo pelo moralismo? Enfim estava pronta! Até a maquilagem era de respeito. Saiu do apartamento, entrou no elevador, a imagem de seu corpo nú não lhe saía da mente. No saguão estava parado o porteiro, ele tinha um olhar perdido, como que cansado da farsa de ser simpático, cansado de tantos 'bom dia!"
   - Vai sair Dona? - perguntou ele numa tentativa inútil de retomar seu papel.
   - Vou sim! Irei à um encontro.
   - Bom passeio. Vai demorar?
   - Depende! Tchau Osmar.
   O táxi que ela pediu estava a sua espera em frente ao prédio. O motorista não lhe ra estranho. Mas foram tantos não conseguiria lembrar exatamente quem ele era, e, nem ele a reconheceria, afinal estava velha e vestida respeitosamente.
   - Para onde senhora? - o taxista perguntou.
   - Para um encontro.
   Ela queria que todos soubessem de seu encontro.
   - Sim, mas onde será seu encontro? - perguntou o motorista irônico.
   - Ah sim, perdoe-me. Será na praça á tres quarteirões.
   Chegaram, a praça era modesta. Tinha umas árvores frutíferas que atraiam passarinhos que alegravam a praça. Procurou a única macieira da praça, pois era lá o encontro. Achou, e estendeu uma toalha azul na grama sob a macieira. Não esperou muito, logo viu ele vindo em sua direção. Abriu um sorriso de dentes amarelos, mas logo o fechou, pois tinha vergonha.
   Já ele, sem nenhuma vergonha, veio de sorriso aberto. Vestia um casaco xadrez, e usava uma boina preta. Era velho como ela, mas tinha uma luz de muitas cores.
   - Não sabe o quanto esperei por esse encontro! - disse ele com os olhos brilhando.
   - Não posso dizer o mesmo, tenho receios, te fiz tão mal. Por que quis me ver mesmo depois de tudo aquilo? - ela falava sem olhar pra ele.
   - Olha, não quero lembrar do passado; nós estamos velhos e sós aqui, vamos viver e somente viver.
   Ficaram ali até o final da tarde, e estavam decididos e desejosos de viver aquele amor. Ele a fazia abrir os mais belos sorrisos, ainda que amarelos, eram alegres. Ela nem notava que seus seios murchos estavam numa boca também murcha. Nada importava.
   Se encontravam sempre ás escondidas. De quem se escondiam? Nem família tinham... Se escondiam do mundo, do céu, dos carros, dos relógios e principalmente dos olhos da morte. Encontravam-se sempre no mesmo motel. Ela voltou aos lençóis que um dia roubaram seu brilho, mas agora esses mesmos lençóis devolviam seu brilho. Aconteceram muitos encontros ali naquele quarto com um quadro que mostrava uma paisagem muito bonita. Passavam ali horas preciosas, ali, naquele quarto, o tempo nem existia.
   Segunda, 03 de outubro de 2009. Ela levantou cado, iria o encontrar. Arrumou-se, perfumou-se e segiu ao mesmo lugar. Ele já estava lá esperando ela. Sempre ficavam horas deitados se observando sem nada dizer, sem falar do passado e sem sonhar com o futuro.
   Tudo no escuro silêncio estava, quando este silencio foi rompido por um barulho estranho, eles não deram importancia. Ouvia-se grito, havia uma correria pelas escados do prédio velho. Acontecia algo estranho lá fora, mas dentro do quarto eles agiam como se nada tivessem ouvido ou notado.
   Viram o teto vindo em encontro da cama... Do barulho fez-se silêncio. Do silêncio fez-se a morte.

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