A trsiteza tomou conta do ambiente mal decorado. Uma cerâmica chinesa contrastava com a pobreza de detalhes da sala. Helena era como as uvas doces, que de tão doces chegam a ser enjoadas, mas se adentrarmos com a língua a polpa chegaremos até as sementes, onde pode-se sentir um amargo delicioso.
- Bela herança! Um vaso chinês. - vaso arrogante - pensou Helena.
Pegou a chave do carro, se dirigiu até a porta. Parou, pensou e voltou. Resolveu andar, afinal Amanda não morava tão longe, e a noite ostentava estrelas elegantemente bebadas. Amanda morava a três quarteirões dali, não seria nenhum esforço, ainda mais quando se anda em Paris. Parou em frente a uma casa azul. Nada mais alegre que uma casa azul, pensara Amanda enquanto decidia a cor de sua nova casa.
Helena bateu na porta . Bastaram dois secos toques e Amanda abriu. Entrou.
- E ele?
- Morreu.- Amanda respondeu com os olhos vagos.
- Morreu? Já sei você mandou uma caixa decorada com uma bomba dentro. E tudo foi pelos ares, ele, as lembranças. E tudo num unico golpe.
- Não. Morreu de velhice. Velhice de amor, numa morte bem lenta.
- Você ainda vai se casar com ele? - Perguntou Amanda pra mudar de assunto.
- Não.
- Você quis dizer não agora? - Amanda perguntou surpresa.
- Não agora e não nunca. Tudo que eu era sofreu mutação, sofreu corrosão. Minha alma virou poeira, feito esta que cobre os carros da cidade, cinza e fina. Todos os sonhos que um dia foram desse azul claro agora atacam minha rinite. - respondeu a mulher com os olhos fixos no retrato na estante de Amanda.
No retrato estava Felipe, ali espiando a conversa das duas amigas de certeza vaga.
- Você ainda guarda esse retrato? - Helena quis saber.
- É só o que sobrou dele, o sorriso congelado no espaço feliz dessa foto.
A sala, ao contrario da de Helena, era bem harmoniosa. Tudo pensado e planejado minunciosamente.
- Vou buscar o vinho na cozinha. - Anunciou Amanda.
Foram muitas taças, e durante boa parte daquela noite as duas fiacram ali deitadas no carpete cor de sangue bebendo sangue. Foram muitos palvrões: Merde! Voila l' hiver. Era um natal frio.
- Bateram na porta. - disse Helena.
- Mas como alguem incomoda a essas horas? - Perguntou-se ja levantando com certa dificuldade.
Abriu a porta, e seus olhos de ressaca de mar fixaram-se na figura ali para em frente a porta.
- Você não tem o direito de me privar. Foi u quem te fez. Você deve toda essa luz a mim, pq a minha alma eu dediquei toda à você. E agora, o que sobrou?
Amanda nada respondeu, sua cabeça rodopiava como os vestidos de renda que usara quando criança. Sentia-se numa ciranda sem fim. Ainda sem nada falar, subiu ao quarto.
Felipe continuou ali parado, confuso com a reação de Amanda. Em seu pescoço estava o cachicol que os dois, ele e Amanda, uma dia compartilharam. Helena olhava-o do sofá, mas sua mente estava longe, como que em um nirvana, pensava em poemas de Malarmé, e como se recobrasse os sentidos disse:
- Entra Felipe. Não! Melhor, vá embora. Você sabe que esta fazendo ela sofrer, matando ela aos poucos com isso .
- Ela não tem alma, isso dentro dela é meu. - disse Felipe, sem nenhuma convicção.
O relógio, o unico racional naquela cena marcava onze horas da noite. Todo o cenário estava montado, afinal eram onze horas - pensava Amanda no quarto.
Onze horas e Amanda desse as escadas. Pólvora, revolver na mão. Ela atira. Um unico tirou, Felipe cai morto, Helena cai sentada no sofá. Olhando para suas mãos, mas parecendo não vê-las, Amanda sussurra:
- Ele gostava de Florbela Espanca. Só fiz a vontade dele, só fiz o que ele não teria coragem de fazer. Agora não há nenhuma alma para nos fazer brigar.
Não sei, mas a música que eu estava ouvindo ao ler o conto (a famosa canção "Scarborough Fair" na voz de "Simon & Garfunkel") me fez entrar dentro da história, e, por concidência ou não, a música acabou junto com o fim da leitura. O conto é do jeito que eu gosto, me lembrou muito Lygia Fagundes. Excelente Dani, gostei muito mesmo, eu consegui compreender, tirar as minhas próprias conclusões, sentir o ar do quarto e o gosto do vinho. Parabéns pela iniciativa do blog e continue sempre escrevendo. Você é especial.
ResponderExcluirDo fã nº1, Marcos Paulo.
Ah, eu já tinha lido o começo desse sim, Dani! Muito bom mesmo!
ResponderExcluirSou sua primeira seguidora! Haha!
Beeijo!
Babys...
ResponderExcluirTá com uma sutileza instigante seus contos!
Parabéns mozãooo
Do seu fã n° 1
rs
Florbela Espanca foi uma suicida metódica, ela matou-se no dia e horário de seu aniversário. Felipe, faria aniversário naquele dia e as 23:00 horas.
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