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terça-feira, 26 de outubro de 2010

Conto do amor menor.

     A trsiteza tomou conta do ambiente mal decorado. Uma cerâmica chinesa contrastava com a pobreza de detalhes da sala. Helena era como as uvas doces, que de tão doces chegam a ser enjoadas, mas se adentrarmos com a língua a polpa chegaremos até as sementes, onde pode-se sentir um amargo delicioso.
     - Bela herança! Um vaso chinês. - vaso arrogante - pensou Helena.
   Pegou a chave do carro, se dirigiu até a porta. Parou, pensou e voltou. Resolveu andar, afinal Amanda não morava tão longe, e a noite ostentava estrelas elegantemente bebadas. Amanda morava a três quarteirões dali, não seria nenhum esforço, ainda mais quando se anda em Paris.  Parou em frente a uma casa azul. Nada mais alegre que uma casa azul, pensara Amanda enquanto decidia a cor de sua nova casa.
    Helena bateu na porta . Bastaram dois secos toques e Amanda abriu. Entrou.
    - E ele?
    - Morreu.- Amanda respondeu com os olhos vagos.
    - Morreu? Já sei você mandou uma caixa decorada com uma bomba dentro. E tudo foi pelos ares, ele, as lembranças. E tudo num unico golpe.
    - Não. Morreu de velhice. Velhice de amor, numa morte bem lenta.
    - Você ainda vai se casar com ele? - Perguntou Amanda pra mudar de assunto.
     - Não.
     - Você quis dizer não agora? - Amanda perguntou surpresa.
     - Não agora e não nunca. Tudo que eu era sofreu mutação, sofreu corrosão. Minha alma virou poeira, feito esta que cobre os carros da cidade, cinza e fina. Todos os sonhos que um dia foram desse azul claro agora atacam minha rinite. - respondeu a mulher com os olhos fixos no retrato na estante de Amanda.
      No retrato estava Felipe, ali espiando a conversa das duas amigas de certeza vaga.
      - Você ainda guarda esse retrato? - Helena quis saber.
      - É só o que sobrou dele, o sorriso congelado no espaço feliz dessa foto.
      A sala, ao contrario da de Helena, era bem harmoniosa. Tudo pensado e planejado minunciosamente.
       - Vou buscar o vinho na cozinha. - Anunciou Amanda.
     Foram muitas taças, e durante boa parte daquela noite as duas fiacram ali deitadas no carpete cor de sangue bebendo sangue. Foram muitos palvrões: Merde! Voila l' hiver. Era um natal frio.
      - Bateram na porta. - disse Helena.
      - Mas como alguem incomoda a essas horas? - Perguntou-se ja levantando com certa dificuldade.
      Abriu a porta, e seus olhos de ressaca de mar fixaram-se na figura ali para em frente a porta.
      - Você não tem o direito de me privar. Foi u quem te fez. Você deve toda essa luz a mim, pq a minha alma eu dediquei toda à você. E agora, o que sobrou?
       Amanda nada respondeu, sua cabeça rodopiava como os vestidos de renda que usara quando criança. Sentia-se numa ciranda sem fim. Ainda sem nada falar, subiu ao quarto.
       Felipe continuou ali parado, confuso com a reação de Amanda. Em seu pescoço estava o cachicol que os dois, ele e Amanda, uma dia compartilharam. Helena olhava-o do sofá, mas sua mente estava longe, como que em um nirvana, pensava em poemas de Malarmé, e como se recobrasse os sentidos disse:
       - Entra Felipe. Não! Melhor, vá embora. Você sabe que esta fazendo ela sofrer, matando ela aos poucos com isso .
       - Ela não tem alma, isso dentro dela é meu. - disse Felipe, sem nenhuma convicção.
       O relógio, o unico racional naquela cena marcava onze horas da noite. Todo o cenário estava montado, afinal eram onze horas - pensava Amanda no quarto.
       Onze horas e Amanda desse as escadas. Pólvora, revolver na mão. Ela atira. Um unico tirou, Felipe cai morto, Helena cai sentada no sofá. Olhando para suas mãos, mas parecendo não vê-las, Amanda sussurra:
        - Ele gostava de Florbela Espanca. Só fiz a vontade dele, só fiz o que ele não teria coragem de fazer. Agora não há nenhuma alma para nos fazer brigar.

4 comentários:

  1. Não sei, mas a música que eu estava ouvindo ao ler o conto (a famosa canção "Scarborough Fair" na voz de "Simon & Garfunkel") me fez entrar dentro da história, e, por concidência ou não, a música acabou junto com o fim da leitura. O conto é do jeito que eu gosto, me lembrou muito Lygia Fagundes. Excelente Dani, gostei muito mesmo, eu consegui compreender, tirar as minhas próprias conclusões, sentir o ar do quarto e o gosto do vinho. Parabéns pela iniciativa do blog e continue sempre escrevendo. Você é especial.
    Do fã nº1, Marcos Paulo.

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  2. Ah, eu já tinha lido o começo desse sim, Dani! Muito bom mesmo!

    Sou sua primeira seguidora! Haha!

    Beeijo!

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  3. Babys...

    Tá com uma sutileza instigante seus contos!

    Parabéns mozãooo

    Do seu fã n° 1

    rs

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  4. Florbela Espanca foi uma suicida metódica, ela matou-se no dia e horário de seu aniversário. Felipe, faria aniversário naquele dia e as 23:00 horas.

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