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sábado, 30 de outubro de 2010

Você não quer ser livre?

                                                                                                  Ponha seu cabelo pra cima, diga boa noite.
                                                                                                                                                         


   Havia chegado de Barcelona há pouco. Achei tudo entediante, mais que aqui, e qualquer lugar que já fui. Talvez a cidade nem fosse tão ruim, talvez as prostitutas nem fossem tão desdentadas, talvez eu é que era uma merda, que via merda em tudo.
   Queria companhia para um café, queira falar mal da viagem para meus amigos, mas ninguém aceitou o convite. Realmente eu devia ser insuportável. Mas tudo bem, eles também são uns toscos, que acham que a felicidade está em qualquer coisa, e bebem feito idiotas, para fingirem estar bem. Mas depois, no outro dia, voltam a sua vidinha medíocre acrescida de dores de cabeça.
   Vou a cafeteria sózinho. Pra variar estava chovendo, uma garoa chatissima que me deixava ainda mais nublado. Que inferno! Entrei, a cafeteria era até agradável. Pedi um café:
   - Um expresso, por favor.
   Demorou um pouco, mas veio. Quando coloquei-o perto do nariz pra sentir seu cheiro confortável, entrou pela porta principal, apressadamente e muito desengonçada, uma mulher. Ela tenta fechar o guarda-chuva ( que está com os arames ou tortos ou quebrados), passa a mão na testa, conferindo o suor. Tinha o cabelo preso bem no alto da cabeça, a boca engraçada por um batom bem vermelho, e ainda que vermelho, não era vulgar, dava-lhe um ar de vida, de menina que roubou o batom da mãe pra ver ser os meninos davam-lhe atenção, e usava uma blusa que havia estampado um elefante. Por um certo tempo achei-a interessante, mas logo o cinza voltou a me cobrir, ela deveria ser como minhas amigas: linda e burra.
   A cafeteria estava cheia, e único lugar disponível era o ao meu lado. Ela sentou-se, me olhou, eu percebi e retribuí o olhar, mas ela fingiu nem ter olhado. Pegou o guardanapo, e tirou uma caneta da bolsa roxa, começou a escrever escondendo com as mãos, feito criança de primário. De repente, ela tirou as mãos e, com os dedos, empurrou o bilhete em minha direção. Olhei pra ela, e ela não me olhava. Antes de ler, senti a textura do papel ( babaquice, era só um guardanapo; o que teria de especial?). Devo ter ter ficado cerca de um minuto com o papelzinho entre os dedos. Focalizei na letra, era horrivel. Li:
   " Sei exatamente o que você sente, sinto o mesmo. Sinto-me acorrentada, como se cada pedaço dessa cidade fosse uma algema, mas sei que não adianta sair aqui, pois as correntes me perseguirão em qualquer lugar. Na verdade não é a cidade e nem as pessoas que te acorrentam e sim você. "
                                                                                              Ao meu Capricorniano.
   Por que capricorniano? Esta nem era meu signo. E como ela sabia exatamente o que sentia? Essas perguntas só vieram depois que ela foi embora, pois depois de ler aquele bilhete me senti paralisado e enfeitiçado. Olhei-a, resolvi falar:
   - O que você quer? O que você sabe sobre minha vida?
   - Muito mais do que você pensa. Mas na verdade o que sei não interessa, o que importa é o que você não enxerga.
   Saiu sem nada dizer. Quem era aquela mulher? Dois dias depois desse encontro, recebo uma encomenda: um elefante, de remetente inexistente. Foi ela, tenho certeza. Olho pra ele todos os dias, é até bonito, e sempre que o olho tenho vontade de sair pra beber e fingir que sou feliz, afinal não é assim que todos fazem? Não quero mais fugir a regra.

8 comentários:

  1. O quadro é de Dalí, chama-se " Tentação de santo Antônio". Pensei nele enquanto fazia o conto.

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  2. Legal Dani!
    Ah, o layout tá dahora agora, hein! :)

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  3. Beeem melhor o layout Babyzinhaa!

    Tá evoluindo :)

    Te amo!

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. "...eles também são uns toscos, que acham que a felicidade está em qualquer coisa, e bebem feito idiotas, para fingirem estar bem. Mas depois, no outro dia, voltam a sua vidinha medíocre acrescida de dores de cabeça. [...] ...tenho vontade de sair pra beber e fingir que sou feliz, afinal não é assim que todos fazem? Não quero mais fugir a regra."

    :)

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