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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Sentido oposto

   À caminho de um ponto em comum, seguimos lado a lado com pés molhados, num silêncio que me é confortável e te incomoda.
-Acho que não tô sendo uma boa companhia hoje.
   Eu, com o braço encostado na janela do metrô, me viro sorrindo:
-Não, que isso! - pensando que foi um avanço você ter topado o encontro.
-Sabe, detesto chuva, meu pé tá molhado, minha calça... Pô três filmes seguidos: eu vou dormir.
Com certo incômodo (o silêncio me era mais confortável), brinco:
- Você é um velho reclamão.
- É, sou velho.
- Não. Você não é velho. Pensa que é, mas não é.
   A voz do maquinista- máquina (não consigo imaginar nunca o rosto deles) anuncia a estação, a porta a ser aberta. Mas não anuncia, o importante do abrir e fechar das portas de aço (?): vem aí um cara, com pé molhado, mãos ásperas e olhos de um branco amarelado. 
   A mão dele envolve o grosso metal sempre oleoso. Os dedos vão saltitando, ele parece ansioso. Nos olha rapidamente e fita por um longo tempo a porta da outra extremidade do vagão, enquanto eu o fito e faço anotações.
   Você me olha interrogativo, eu digo: - Sabe, não consigo não prestar atenção nas pessoas. As vezes me vejo como um ogro farejando carne humana. Você ouviu o velhinho aqui atrás perguntando se a amiga da filha era feliz?
-Não...
- Pois é. Não importava o que a menina falava, ele perguntava sempre (acho que umas 4 vezes): "Mas ela é feliz?". Agora tô pensando sobre esse cara ai - eu dizia baixo, pra que ele, à nossa frente, não ouvisse.
   O celular toca, ele atende, com um olhar de quase-esperança:
"Como assim? Não! Eu já tô no metrô. Porra, tô com pé molhado." E mais calmo: "Tá bom, tá bom".
Não contenho minha risada, fico vermelha de vergonha por rir. Você não ri, me olha, sempre interrogativo, eu digo:
- Um ogro. Atrás de cheiro humano, já leu Marc Bloch? Assim são os historiadores... - falo pra desconversar, em busca de retomar a cor do rosto, que fora tomada pelo vermelho.
- Ele vai virar conto?
   Somos interrompidos pelo som "próxima estação", ele com olhar de um amarelo ainda mais intenso (oferta do ódio), gira o corpo, sai do vagão e segue no sentido oposto.
Eu digo: - O cara ficou puto!
E você diz: - É, eu preciso deixar de ser assim.
- Assim como?
- Neurótico.

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