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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Posso esperar o verão passar.

Ela sempre ficava ali: na entrada do Parque Trianon pintando quadros; ele a conhecia,sabia que sim. Mas de onde?
Alguns curiosos sempre paravam, e eu nunca tinha parado. Entendam, a correria do dia a dia não deixava. Mas eu olhava seus quadros enquanto andava com passos largos pela calçada. Por que alguém resolve pintar assim, na beira da Avenida Paulista?. Mas a noite, sempre depois que concluía algum processo, era naquela moça do Trianon que eu pensava, eram dela meus últimos minutos antes de dormir.
Teria ela familia, casa ou cachorros? Aquela moça, ah aquela moça. Mesmo assim, com pedaços da minha noite que como num ritual meu cérebro dedicava a ela, não parei para olha-lá.
Mas um dia a moça me fez parar. Ela terminava fde pintar três flores verdes, que pareciam conversar com os olhos distraídos de quem passava pela calçada.


- Resolveu parar hoje? - ela perguntou naturalmente sem largar o pincel, nem tirar os olhos azuis da tela.
Raul surpreso, respondeu: - É.
- Sempre vi nos teus olhos desejo de parar.


Fiquei confuso com a resposta da pintora de rua. E fui pra casa. Fui dia e noite. Insônia e sonho solto. Lutei para não voltar lá. Ela mexia comigo de uma forma estranha. Tinha dentro daquele peito uma ressaca intensa e perigosa. Quem era ela? Como sabia do meu desejo contido de parar. E se ela não existir?
As perguntas ecoavam como em uma gruta e a única coisa que ouvia era a voz amarga da dúvida. Não podia ficar aqui esperando alguma luz, algum fresta esclarecer a essência daquela moça.
Voltei. E lá estava ela pintando um elefante. Fiquei de longe observando. E me aproximei aos poucos, como um caçador paciente.


- Sabia que voltaria hoje. - ela disse com uma voz de monge.
- Demorei porque...
- Não precisa de mais explicações. Vou embora. Um dia volto e recomeço.


Juntou seus instrumentos e saiu calmamente. Achei que ela estaria lá no outro dia, talvez na outra semana. Mas os dias viraram meses, depois anos e finalmente viraram loucura. E fico aqui sentado do lado da estátua de um bandeirante qualquer esperando a mulher de olhos azuis, tentando lembrar quem ela foi.
- Mas o senhor mora aqui na rua, esperando ela? Nem sabe ao menos o nome dela?
- Não menina, fico aqui, tocando saxofone, ganhando um trocado. E sei que um dia ela voltará e pintara esse velho aqui, tocando esse saxofone.

Um comentário:

  1. Ele nunca parou. A gente anda num corre-corre tão grande, num eterno “Sinal fechado”de Paulinho da Viola. E não lembra de parar, e reparar na beleza que nos chama, que quer puxar a gente pela mão , que fala baixinho no coração: “ vai agora não. Pára. Na pressa de ir você nada encontra. Parando aqui, nem que seja um pouquinho, você pode encontrar tudo”.
    Os olhos azuis dela sabiam os dele. Sempre soube que ele queria parar. A surpresa dele é bem de homem . E homem não chega nem perto dessa sabedoria instintiva que a mulher tem. Principalmente AQUELA mulher que pintava um elefante. Ele se aproxima como um caçador. Paciente por fora, mas por dentro vontade de avançar rápido, um bote certeiro, não pra ferir o animal/mulher/mistério. Mas pra abraçá-la , dizer que ela sempre esteve na memória dele, mesmo antes de tudo acontecer. O elefante é um bicho afetivo.E se entende bem com a mulher e vice-versa. É só assistir o excelente filme “Határi” de Howard Hawks. A mulher sabe dos desejos ocultos de um homem. Conhece de longe um caçador.E não precisa de explicação. Não precisa e também não dá. E assim foi. Sem explicação,ela sumiu da vida do caçador,deixando só a vaga esperança de uma volta (as flores verdes que pintou?)O caçador pirou. Virou estátua como um bandeirante, ex-caçador de gente no Brasil Colônia . Morando no mesmo espaço que ela, nem sequer sabia o nome DAQUELA mulher. Tem mulher tão misteriosa que vai embora quando vê que o homem descobriu o seu nome verdadeiro. Como se nomear fosse invadir intimidade, subtrair poder. Ele vacilou,mas talvez tenha agido certo em nunca perguntar o nome dela. E foi ficando sem o nome,foi tocar saxofone, foi ganhar uns trocados na rua, foi viver da espera por AQUELA mulher, foi viver a cada dia a sua paixão inútil , foi esperar o quadro que ela um dia ia pintar. Um velho tocando saxofone e esperando que uma mulher o transformasse em arte. Édipo de Pasolini ,cego na Antiguidade (todo caçador é ancestral) e vivendo a sua dor nos dias de hoje por AQUELA mulher. Que não ameaçou sumir. Simplesmente sumiu. Evaporou. E como semente espalhada nos corpos femininos que Daniii descreve, a mulher traz com ela o mar, violento na calma aparente. Ressaca de Capitus. Mulheres que estão sempre na iminência de EVAPORAR. Virar chuva, para que dancem Marias libertas,apontadas como loucas. Água puxada pro céu e despejada no mar. Para uma jovem refazer o caminho mitológico de uma Vênus. O círculo que Daniii criou com muito talento, não tem princípio nem fim : cerca, envolve, prende, solta, todas as suas personagens femininas. Mas o verão está terminando. Pobre caçador. Ainda está lá, na floresta de prédios e avenidas, velho e lunático, imaginando blues e chorinhos. Música que improvisa pensando na mulher que pintava.O passado, sonhando o que poderia ter sido. E nunca será.

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