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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Não sinto teus sinais.

Acabara de chegar em casa, quando uma ventania começou. Maria ficou na janela da sala vendo a rua ser coberta pelas folhas das árvores,e em alguns instantes de vento, a tempestade estava anunciada. O céu tornou-se negro em alguns minutos, o Sol se escondeu e algumas pessoas olhando para o céu corriam para tentar chegar em casa antes que o céu chorasse. Mais alguns minutos e ninguém na rua. Só as folhas ficaram, dançando ao sabor do vento. Agora era pra valer, as gotas grossas começaram a molhar a rua e Maria abriu a janela pra sentir o cheiro de asfalto molhado. Respirou fundo e se deliciou. Fechou a janela, e ficou vendo as gotas da chuva bater e escorrer no vidro. Ficou ali por um tempo que são se mede. Um tempo que nem ela sabe quanto durou. O céu está de luto - pensou. Mas logo corrigiu-se: pára de bobagem Maria, é verão, óbvio que tem que chover. Resolveu sair e se molhar. Mas e os raios?- ponderou. Qual o problema? A morte já não é um mal distante. Anestesiada por pensamentos de criança ela saiu. Alguns vizinhos, que olhavam a chuva pela janela, fitavam Maria com olhos de espanto e curiosidade:
"- Filho vem ver! A moça que mora no número 9 enlouqueceu."

"- Mãe, olha só. Sempre disse que ela era estranha, está na chuva rodando com os braços abertos. É mesmo uma louca!"

Maria não via ninguém. Sentia a chuva dançar no seu corpo, não deixando nem um único pedaço de pano seco. E ela rodava rodava rodava. Mas acordou, e viu que em quase todas as janelas haviam pessoas olhando-a. Voltou pra dentro da casa. O que vão pensar de mim?- sentiu vergonha. Nada Maria, eles é que deveriam se perguntar. No fundo cada um daquelas pessoas, eram pobres coitados, sem vontade de viver, nem de amar. E infelizmente, Maria também era mais uma infeliz.







Vai chover de novo,
deu na tv que o povo já se cansou de tanto o céu desabar,
E pede a um santo daqui que reza a ajuda de Deus,
mas nada pode fazer se a chuva quer é trazer você pra mim,
Vem cá que tá me dando uma vontade de chorar,
Não faz assim, não vá pra lá, meu coração vai se entregar à tempestade
Quem é você pra me chamar aqui se nada aconteceu?
Me diz, foi só amor ou medo de ficar sozinho outra vez?
Cadê aquela outra mulher?
Você me parecia tão bem,
A chuva já passou por aqui, eu mesma que cuidei de secar,
Quem foi que te ensinou a rezar?
Que santo vai brigar por você?
Que povo aprova o que você fez?
Devolve aquela minha tv que eu vou de vez,
Não há porque chorar por um amor que já morreu,
Deixa pra lá, eu vou, adeus.
Meu coração já se cansou de falsidade

Um comentário:

  1. Quem traz um tornado dentro de si, como certas mulheres,, entra na chuva e não se molha. A água que cai do céu é benção naquele corpo feminino movido pelo tornado. Chuva vira dança. Dançando na chuva. E os “normais”, com ponta de inveja e uma perplexidade senil. A que é apontada como louca usa os elementos naturais – a chuva, os raios,o vento – para subverter a maldita “ ordem natural das coisas”. Pra mim não é um conto. É uma crônica sobre o paradoxo contido num momento de liberdade : é fácil sair na chuva, é difícil permanecer nela. Os olhares cobram adultos petrificados na leveza maleável da criança-mulher. Sinais esclerosados que não lembram setas das alamedas dos cemitérios. Sinais que não se devem sentir mesmo.Fez bem a autora em mandar Maria não sentir vergonha. Que ELES se recolham a seus túmulos. (Não sugeri mandar pra puta que pariu porque é expressão que não uso,ou pelo menos ,procuro não usar. Respeito muito as putas.)
    Valeu, Daniii.
    E só agora vi que o poema vem junto pra comentar.É uma continuação poética. Uma interpelação ao mesmo tempo coletiva e uma tristeza pungente nascida do fundo do coração.Fiquei comovido com esses sinais de falta de esperança, da corrosão de um relacionamento "que vinha bem", da antecipação,como sempre faz a autora, das náuseas que jogam casais nos abismos. Da separação, da indiferença, do´ódio, do não poder mais suportar. E tudo desagua em chuva forte de lágrimas de dor, em tempestades de desamor, na morte que é ver tudo se desmanchar. Até não se sentir mais os sinais. Morte cerebral, coração acompanhando. Tua intensidade é foda, Daniii!

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