Esse
líquido é azul e irá se tornar amarelo.
Freud,
Victor Hugo, todos vocês, não ousem teorizar meu sentimento, minha
melancolia. Tire as mãos, tire os olhos de mim!
Estou
na aula de química: O líquido azul, o líquido amarelo, o professor
gordo com cheiro de merda na boca. A menina de cabelo loiro longo, o
menino de óculos, que tem cheiro ruim de boca por nunca abri-la
nessa selva, ao contrário da do professor. Os seios grandes, as
pernas grossas, a bunda boa.
Eu.
Nariz grande, fala nordestina, poucos peitos, muitos pelos. Roupa
pobre, cabelo bagunçado e muitas vezes sujo. Unhas curtas, nunca
pintadas.
1984,
Pagu, Beauvoir. Vocês não me pegam mais. Não mais. Pequenos e
meus, peluda e minha, suja fedida e completamente minha. Eu transo,
eu como, eu meto. Eu amo, desamo, quero e não mais. E um pouco
menos. Na curva, na loucura, na nudez, no nervosismo, sinto que posso
voltar. Sair, no entanto não totalmente, do alerta que criei, contei
e paguei. Da defesa que veio de cima pra baixo, do duro pro buraco
quente (incerto, feio e medroso).
Dos
grandes lábios, do sangue de menstruação que você chupa, do
vômito que você limpa, do cocô que faz na minha frente jorra gozo
de vida, de realidade, de companheiros, lágrimas e banhos não
tomados. Não falo de vulgaridade. Aliás falo, e o que vocês querem
com isso?
Estou,
nas quatro paredes daqui. No cigarro que apago no copo cheio até as
tampas de cinzas, estive feito o copo. Poucas cinzas, de repente
tantas. Está, no cheiro de suor do travesseiro, nos livros que
empilhamos, nas cuecas que uso, na mesa que trabalhamos muito pouco,
na cama que transamos, choramos, brigamos, discutimos, rimos. Nossa
cama? Não sendo vulgar em falar de gozo e cocô, sou burguesa
falando em cama que dividimos?
Companheiro,
de cabo a rabo, meu companheiro, basta que nós saibamos que não.
Basta que sua unha grande me sinta, que sua alma me chegue, que nos
desentendamos para depois beijar, amar, afagar e consolar.
Comecei
numa coisa, terminei noutra. Nunca se sabe o sentido de Saturno,
mesmo sendo filhos da melancolia. Não me falem em coesão, em razão,
em sentido, pois sou azul, que poderia ser amarelo, mas é vermelho.
E quem, quem poderia prever qualquer uma dessas coisas? Se até as
palavras, criaturas duras e vezes opressoras no seu sentido natural,
são incertas.
A química na aula, a química dos peitos e dos pelos (pelos pelos se encontra o paraíso), dos corpos sujos, dos fluidos corporais. A química se fez poesia.
ResponderExcluir