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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Você quer ir para a beira do mar?

O quarto branco cheirava a álcool. Um senhor também de branco fitava o neto. O neto de azul mantinha os olhos de compaixão fixos no soro.
- Foi no ano de 1979 quando a conheci. Até hoje me pergunto como pode alguém que vi uma única vez persistir em meu cérebro por tantos anos e arder em minhas entranhas pela madrugada.
Casei-me, separei-me e continuo com aquela tarde estática em minha cabeça. Morri, nasci e morri e a textura daquela pele, a cor dos olhos fúnebres e as veias verdes espalhadas pelos braços brancos não me saem da mente.
Talvez não tenha sido ela a responsável por esse martírio e sim a ocasião. Por mais tortuoso que seja, quero contar.
- Vô, não precisa.
- Era junho, e eu desci a serra, queria ver o mar. Era como um chamado, agora eu sei que era. Sentei na areia, estava de tênis; a praia era vazia, parecia estar só ali naquela imensidão. Já sentiu isso? Dá vontade de gritar. Já sentiu isso meu filho?
- Não.
- Pois bem, deveria. E ela veio, não sei de onde, juro que não sei. Correu em direção ao mar com o correr de entrega, com o gestual da submissão. olhei com ternura aquela menina por um certo tempo, mas percebi que ela se entregaria não ao mar, e sim a morte. O mar seria dono daquela criatura temporariamente, sentiria o cheiro e gosto da pele jovem, mas somente. Pois a entrega era para a morte. - o senhor fechou os olhos como se as sensações fossem presentes, atuais.
- Corri na direção dela e a segurei. Lembro-me como se ela estivesse aqui agora.
Ela me disse:


- Era pra ser num lago, estava tudo certo: eu de vestido longo, os cabelos trançados, entrando devagarzinho no lago. Mas na hora pensei que seria mais bonito se fosse no mar. Ah o mar. Ulisses desvairados, imaginem quanta história o mar possui. Quantos mortos, e quantas lágrimas. Pessoa falou melhor sobre isso: “ Ó mar salgado, quantas das tuas lágrimas são lágrimas de Portugal!”
- Você vai mesmo se matar? - perguntei muito bobo.
- Olha como é enorme o mar! E mesmo agregando em sua imensidão tanta tristeza o mar continua belo. Seria ele homem ou mulher? Qual é a alma dessa gigantesca criatura? Traiçoeiro, atraente, devastador e encantador. “ Quantas noivas ficaram por casar/ Para que fosses nosso, ó mar.” Mas ele não tem dono, não possui escritura. Imaginem a felicidade de ser mar. Pode ser triste e feliz com motivos, tem a liberdade que nós achamos possuir e vive de sua própria arte: a de reter vidas, histórias e lágrimas de todas as pessoas que por ele passar. - Não respondeu a menina.


- Filho, fiquei tão bestificado com aquela cópia da Vênus de Botticelli, que não fiz nada para impedi-la. Sentei no raso do mar e vi aquele corpo marmóreo mergulhar.O mar mensageiro da morte a engoliu. - Concluiu o velhinho de olhos verdes.
- Vô, preciso ir. - disse o rapaz confuso. Bateu a porta. O senhor fixou o olhar no soro.


- Doutor, tem certeza de que ele só delira? - perguntou o jovem com falsa esperança.
- Sim. Na verdade, com o perdão da palavra, ele caduca. - respondeu o especialista em porra nenhuma.
O rapaz de nenhum sonho, foi para a casa esquecer daquela história imaginária do avô.

4 comentários:

  1. Neste conto, Daniii junta várias linguagens pra nos falar da mulher que se torna signo na mente de um homem que só a viu uma vez.No princípio, estaria a Vênus de Boticelli, talvez a imagem mais encantadora do Renascimento. Mas aí outra linguagem surge: a do cinema. A Venus da pintura sai do mar. Já traz o cheiro da maresia , que parece querer abafar no recatado gesto que lhe cobre o sexo;assim como as mãos cobrem os seios.A Vênus de Daniii faz o movimento contrário : é um filme de trás pra frente.A Venus de Daniii procura o mar, se encanta com o mar, quer morrer no mar.”É doce morrer no mar/nas águas verdes do mar”. Parece que escuto o vozeirão do baiano Caymi; sim , é aquele mesmo que cantou Marina, que virou personagem de Daniii(conto “Marina É o Mar”). A menina-signo quer se entregar àquele mistério :” Qual é a alma dessa gigantesca criatura? Traiçoeiro, atraente, devastador e encantador.” A moça se sabe do mar: tem o cheiro da maresia entre as coxas e o gosto de sal na pele.Toda mulher intui o que o mar oculta; porque dele saiu. Vênus nasceu e junto com ela todas as fêmeas. Algumas esqueceram sua origem.Outras não se cansam de olhar o sexo de Marte que, depois do amor, dorme saciado e nu. Foi tudo tão bom e tão intenso, que nem os sátiros conseguem chamá-lo para mais um combate de amor. Vênus olha o sono do homem porque ama o falo que lhe falta. (não me lembro se o quadro Venus e Marte também é do Boticelli).Daniii já passou pela pintura,pelo cinema, pela música e agora se apossa da poesia de Pessoa.Tanto mar, tantas léguas virtuais a separar aqueles dois que poderiam ser “aquele um” do poema de Drummond (“Negro Amor de Rendas Brancas”). E fica o homem que viu a moça se entregar ao mar( se apaixonar por um signo é foda!) e o neto estúpido junto com o médico aspone (assessor de porra nenhuma), duas figuras medíocres que perderam a capacidade de sonhar e nada sabem dos encantos da poesia. Por que a Vênus de Danii preferiu voltar para o seu berço de origem ? Porque sua intuição feminina anteviu o surgimento de homens medíocres e opacos como o neto e o aspone ?Com seus olhos de Capitu da metrópole, Daniii tem a visão de segredos e mistérios marinhos, que ela sabe, com maestria, espalhar em suas personagens femininas. Marina vive uma ressaca interior, que vira mar tranqüilo, sem onda,depois que tira a maquiagem .Essa Vênus que aparece no pé da serra em direção ao mar, busca a ressaca que não sente mais dentro dela. E fica um homem apaixonado por um signo, marcado para sempre na memória. Quís sentir o cheiro da maresia e foi engolido também na ressaca. Nunca mais voltou a ser o mesmo. O cheiro da maresia chama o macho e a onda o abraça para sempre. Mas o amor não é isso?Será o mar , A MAR ?

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  2. Completando: tem o branco do aspone, o azul da roupa do neto, os olhos verdes do homem apaixonado pela mulher-signo. Pintura em palavras. Música no tex to. E lembro que a Venus saindo do mar é como uma noiva, cercada de atenções e pétalas . Talvez como as noivas que o mar deixou em lágrimas no poema de Pessoa.

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  3. Musik do Kooks!? rs Parabens pelo q vc ta escrevendo aki Dani ... ta bem legal !!!

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  4. É, o Sipa mostrou a musica e quando fiz o conto estava ouvindo ela, dai resolvi que seria o título,rs.
    Valeu Carlos!

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