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sábado, 15 de janeiro de 2011

Nunca serás de ninguém.

- Entenda! Eu tô murcho. Sabe, parece que dissolvi minha alma nessa rotina.
- Paguei a água ontem. Quatro reais de juros!
- Me escuta, por tudo, me escuta!
- Querido eu to te ouvindo, só disse que paguei a conta. Antes que eu me esqueça, tenho um novo projeto, tirei umas fotos no centro da cidade e me animei com a ideia de fazer uma exposição.
- Não desconversa! Porra, eu to mal.
- Querido quer um chá? Tenho um remédio ótimo na bolsa. Você precisa mesmo é descansar.
- Cansei dos teus remédios, cansei de ouvir Coltrane só poque você gosta. Com você eu não tenho identidade.
- Querido, peguei um livro na Fê pra você ler, acho que vai gostar.
- Para de me chamar de querido. E mais: nunca gostei dos livros que você impõe. Aliás, nunca gostei de você. Um dia, talvez um único dia, eu possa ter tido a ilusão de que seríamos felizes. - disse Eduardo tentando por um fim naquela conversa mordaz.
Clarice continuou ali parada, com ares de normalidade. " É só mais uma crise existencial" pensava enquanto via o marido gesticulando a discussão. Ela nem o ouvia, só observava e lia o corpo dele.
- Clarice, não vou mais sustentar isso.
- Sustentar o que? - É melhor você dar uma volta, eu não quero falar sobre isso. Não vale a pena. Eu fico aqui lendo, aposto que quando você voltar tudo voltará ao normal.
- Não temos a que voltar, nunca tivemos a normalidade como terreno.
Ela foi até o aparelho de som e colocou Coltrane. Foi à cozinha e preparou um chá de camomila: - Edu, bebe você ficará melhor. - ofereceu ela.
Num gesto cinza, sem nenhuma sobriedade, ele empurrou o chá que derramou-se sobre ela.
- Me desculpa, não sei o que me deu. Eu amo você, me perdoa?
Ela fez que sim com a cabeça. E pacientemente esperará a próxima do Eduardo, para que, como sempre, faça ele ver que a ama. Talvez ele nem a ame, mas ela o convencerá.

4 comentários:

  1. Quem é o carrasco ? Quem é a vítima ? Daniii continua a sua radiografia do tédio,da angústia sem saída, de casais apodrecendo na luta contra uma náusea que já tomou conta dos corpos e das mentes. O diagnóstico não vem.A ultra-sonografia fica ao nível fenomenológico.É o que se vê: o dado imediato da consciência. Por trás do fenômeno, não tem nada. Só a constatação amarga de que o inferno são os outros. A frase sartriana virou clichê, sei disso. A própria autora pôs a frase na boca de um personagem masculino, na patética cena do excelente ”Olhares,ervas,inferno”. Nunca serás de ninguém : a guerra conjugal não se resolve com gestos e lamentações. E às vezes nem a ação resolve.O círculo se fecha, as cadeias apertam mais,pulsos contra pulsos.A-pulso. Algemas.Vendo qualquer foto do rosto de Daniii o que se nota logo, além da charmosa pintinha no rosto, é o olhar. Olhar de enigma como Capitu, mesclado com uma crueldade e o pessimismo de quem combate na guerra conjugal ( porque dela ninguém sai, é o que parecem dizer os “textos sobre casais”que ela posta aqui no blog. Mas o que revela o seu enorme talento, o seu grande poder de observação, é que ela, a autora, ainda não passou por isso. Adolescente ainda,amando e, ao que parece,bem amada, onde Daniii foi captar o tédio que vem depois do depois ? E não só captar , mas passar a realidade desses tristes desencontros, do verme que brota da fruta apodrecendo no sol ou na chuva. Daniii é isso : pensa o real com a imaginação. E imagina com o pensamento. Nesse cruzamento de linha ela joga na cara do hoje o amanhã de todo relacionamento amoroso, numa civilização que aprisiona os seres nas convenções e clichês de comportamentos pseudo-afetivos, sexuais,nas solitárias formas de convivência a dois. A mesma civilização que nos convence de que somos livres.E não precisamos mais lutar contra nada. Já somos combatentes de uma eterna guerra conjugal. Uma guerra que não se trava com mísseis nem granadas. E sim com alfinetadas. Constantes, persistentes, insistentes. Até que os dois morram, abraçados para sempre. Que pena que o amor, a paixão e o tesão entre um homem e uma mulher tenham que acabar assim.

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  2. Daniii: o relógio do bloog está atrasado seis horas.rsrsrs... yhoje ainda posto o comentário sobre o outro,que ainda vou ler. Abraço do amigo.

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  3. Todos os teus últimos contos parecem ser muito pessoais, querida tu passas por isso?

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  4. É bom, pelo menos eu acho, quando um autor deixa essa dúvida. Na verdade não são autobiograficos. Existe um único conto pessoal, e não é um dos ultimos. Tenta descobrir, que tal?

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